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Um dia qualquer

Hoje era um dia normal. Tão normal quanto qualquer outro. O vento soprava, as folhas caíam, os pássaros cantavam, o cachorro latia. E eles brincavam. Brincavam sobre um gramado verde e cheio de flores. Corriam e jogavam bola. Concentrados no que faziam, os sorrisos que levavam no rosto eram uma demonstração fiel de que estavam aproveitando cada momento naquele quintal. A brisa balançava os cabelos dela e enchia de ar a camiseta dele. Eles riam. Riam sem algum motivo específico. Batiam as mãos, pulavam, corriam: revelavam uma intensa alegria matinal. Sob a sombra de uma frondosa árvore, o cachorro permanecia deitado, mas atento. Ao sinal de uma possível ameaça (alguém iria pegá-lo no colo, de novo?), soltava um latido forte. Continuava ali, descansando. Piscava os olhos várias vezes quando sentia o vento soprar. À sua frente, eles continuavam brincando.

De mansinho, uma borboleta pousou sobre a flor vermelha que pendia do galho de um pé de hibisco. Ali ficou por alguns instantes. Enquanto isso, uma nuvem resolveu esconder o sol. Tão logo a borboleta saiu dali, o sol voltou a aparecer. Parecia que estavam em sincronia. Ela voa, ele brilha. Sem demora, o grande e perfumado hibisco tornou-se fonte de alimento para um cintilante beija-flor que passava por cima daquele canteiro de flores. Rosas, bromélias, margaridas – tudo faziam parte de um colorido jardim. Era apenas uma parte do quintal. Mais atrás, eles continuavam sorrindo, ouvindo as folhas em farfalhos, girando-se em torno de si mesmos. Sorrateiramente, um gato surgiu em cima do muro e fez com que o cachorro se levantasse. Começou a latir. O gato parou e encarou o animal em uma expressão que denotava desprezo pelo bicho, apesar de ser maior que ele. O cachorro pulava em direção ao gato, mas jamais conseguiria alcançá-lo. O muro era alto demais para ele. Latindo agora desesperadamente, o cachorro acabou espantando o gato. Algumas nuvens começaram a se aproximar do sol. Mais uma vez, a natureza parecia dançar uma música sincronizada, cheia de aromas, sensações, ares e vidas que se fazem juntos. O gato pulou, o sol sumiu. Agora de verdade. Um vento cada vez mais forte passou a balançar os pesados galhos das árvores e fazer voar milhares de folhas, pétalas, plumas, penas. Os pássaros piaram e foram voando rapidamente para seus ninhos. Um deles chegou a derrubar uma minhoca que levaria para sua prole. O vento uivava e o cachorro abanava o rabo em um misto de medo com incompreensão. Grandes gotas de chuva começaram a cair.

Eles continuavam ali, apreciando aquilo tudo. Ele ria mais alto sob as geladas gotas; ela aproveitava aquele vendaval para sentir os cabelos emaranhando-se e cobrindo-lhe a face. Debaixo deles, de qualquer forma, um sorriso continuava estampado em seu rosto. Hoje era um dia normal. Tão normal quanto qualquer outro. O vento soprava. As folhas caíam. Os pássaros cantavam. O cachorro latia. Ao contrário de sempre, entretanto, eles brincavam. Brincavam sobre um gramado verde e cheio de flores. Depois de tanto tempo, eles brincavam de ser crianças. Depois de tanto tempo, eles brincavam de viver.

Galopem, amigos, galopem!

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